No passado dia 02 deste mês, o programa Câmara clara lançou o debate sobre a fotografia contemporânea. Para tal convidou Delfim Sardo e Eduardo Veloso, sendo o primeiro crítico e curador do CCB e o segundo matemático e fotógrafo amador. Foi uma oportunidade falhada e durante o debate, Eduardo Veloso nunca consegui esgrimir um argumento convicente para suportar as suas teorias, teria sido mais lógico convidar, por exemplo, Gerard Castello-Lopes para o seu lugar.
Delfim Sardo, sempre com um discurso demasiado intelectualizado e codificado para ser entendido pelo público, discorreu sobre a sua definição de fotografia e a sua definição de fotógrafo, uma definição que circulou em torno do que é a arte actual e sobretudo dos artistas visuais contemporâneos. Para Delfim Sardo um fotógrafo não é mais do que um artista que num determinado contexto produz imagens, que compoêm séries e com escala fora do habitual. Mas vai mais longe, entende como fotografia aquilo a que chama “lenses based work” e que no seu limite pode oscilar entre imagem fixa e imagem em movimento. Para suportar esta tese, Delfim Sardo afirma que o cinema é uma sequência fotográfica e que este tem influenciado a fotografia e a produção fotográfica no sentido em que determinada imagem pode ser não só um retrato de uma realidade mas também a expectativa de qualquer coisa.
Bem, eu aqui já começo a ter mais duvidas do que certezas, segundo esta teoria as fotografias produzidas por uma pinhole não são fotografias porque estas máquinas não têm lente, apenas um oríficio por onde passa a luz; depois a confusão instala-se mais fundo quando começa a introduzir a imagem em movimento pelo meio da fotografia, para Delfim Sardo um vídeo é fotografia. Agora percebo porque é tantas exposições de fotógrafos contemporâneos também têm vídeos expostos…
Mas ainda não se fica por aqui, desenvolve depois a sua teoria de que no séc. XX os fotógrafios absorveram a visão e técnica pictórica da pintura. Brilhante, sem dúvida, não sei como conseguimos viver sem as diatribes de Delfim Sardo este tempo todo. O mesmo afirma que Helena Almeida, uma artista visual que nunca consegui vingar através da pintura, utiliza a fotografia como interface entre as suas obras e o público e que estas não são mais do que documentos de acções que decorrem fora do espaço museológico (sic). Não entendem, eu descodifico: Helena Almeida nunca vingou como pintora, então decidiu fazer pequenas performances e instalações para as quais utiliza o próprio corpo. Como era necessário que as instalações chegassem ao público era preciso arranjar um suporte para tal, como havia uma máquina fotográfica disponível em casa, pois então, que seja a fotografia. Mas a coisa piora quando se sabe que grande parte das fotografias nem são de Helena Almeida, são tiradas pelo marido da artista. Está tudo virado ao contrário, agora quem ganha o BESPhoto não é o fotógrafo mas sim o modelo, mas para Delfim Sardo isto é não só aceitável como é fotografia do mais elevado calibre.
Talvez já tenham notado que ainda mal falei de Eduardo Veloso, mas infelizmente deste não há nada a registar. Falou em tom morno, pouco apaixonado e sem conseguir captar o interesse dos interlocutores, sinceramente acho que esteve ali para encher o cenário e fazer brilhar Delfim Sardo. O genial Gérard Castello-Lopes teria sido um contraponto interessante para Delfim Sardo, ao mesmo nível intelectual e com a vantagem de já ter participado no primeiro BESPhoto, o mesmo onde ganhou Helena Almeida, por isso tem uma opinião de dentro do círculo que, obviamente, Eduardo Veloso não tem.
Não vou tão longe como o inefável Luiz Carvalho, que no seu blogue ”Instante fatal” chama Delfim Sardo de bestiola e Eduardo Veloso de Ansel Adams dos pobres. Penso que do jornalista do Expresso se espera um pouco mais do que a chalaça e o insulto rasteiro, mas por outro lado a sua frontalidade tem que ser reconhecida e nesse aspecto Luiz Carvalho nunca deixou de expressar veementemente as suas opiniões, doa a quem doer. No final do programa (e isto é que fez o Luiz Carvalho perder as estribeiras, de certeza), Delfim Sardo tem uma das afirmações mais infelizes que já ouvi sobre o World Press Photo: para ele o W.P.F. é demagogia, que existe ali muita encenação e que o que ali está é uma espécie de paparazzos da desgraça alheia. Irra, para quem criou um prémio com pretensão de projectar a grande fotografia portuguesa (o que quer que isso seja) no mundo, Delfim Sardo manda às urtigas o grande prémio internacional de fotografia, o mais respeitado e o mais desejado pelos fotógrafos internacionais. Claro que ali se vê pobreza, morte, mutilação e desgraça alheia que não queremos para nós mas pelo facto de não as vermos não significa que não existem. E sim, algumas fotos são encenadas, poucas na verdade. E o W.P.F. não é só fotojornalismo, isso é a categorização redutora de alguém, o Delfim Sardo, que tentou escorraçar o W.P.F. do C.C.B., se calhar para arrumar melhor a casa para as fotos (algumas banais e até boçais) dos artistas visuais do BESPhoto.
Deixo-vos aqui a definição de fotógrafo (ou artista visual, se preferirem) segundo Delfim Sardo, seguida da minha tradução: é aquele que em determinado contexto cultural de produção, mostra determinada imagem que foi efectuada para esse contexto cultural. Tradução: é o tipo que sem saber o que é fotografia, pendura numa galeria in, determinadas banalidades captadas de propósito para essa exibição porque é o que está a vender. É necessário também pedir preços exorbitantes (não interessa o percurso artístico) e ter uns conhecimentos no meio. Et voilá, temos fotógrafo!
A tradução… sem comentários.
:))))
Ainda bem que concorda.
É com prazer que o vejo aqui pela primeira vez.
Mário,
É nestas situações que a frase “NÃO vi e NÃO gostei” faz sentido. Ainda bem que me poupei à irritação de ver esse Câmara Clara.
Excelente artigo de opinião. Parabéns, como sempre. :)
José
José, obrigado pelo comentário. Já me tinha esquecido deste texto mas esta é a maravilha da internet: está à distância de um clique.
Um abraço.